As lições de uma heroína
Mesmo com os clichês pontuais de uma típica série de herói americana, “Supergirl” consegue alcançar um patamar nunca atingido pela DC antes. Lançada em 2015, a terceira parceria da DC com a Warner Channel, apostou numa série de uma heroína não muito falada, mas com uma grande lição de vida para todos nós.
Com um toque menos engraçado que “The Flash”, “Supergirl” conta a história de Kara Zor-El (Melissa Benoit), prima de Kal-El (o Superman), que veio para a Terra para proteger Kal após a destruição de seu planeta natal, Krypton, mas após um acidente, Kara chega à Terra só 12 anos após o lançamento de sua nave. Ao chegar no planeta, Kara é adotada pelos Danvers e, ao ver que sua missão não pode mais ser concluída, pois Kal já se tornou um adulto e um dos maiores heróis da Terra, Kara fica sem um propósito (tema bastante explorado durante a primeira temporada da série). Como se não fosse o suficiente, quando pequena, Kara perdeu o pai adotivo(que se sacrificou para que ela não se tornasse experimento dos humanos), então sua mãe, Eliza Danver (Helen Slater) e sua irmã, Alex Danvers (Chyler Leigh), passam a ser responsáveis pela sua criação, mas ainda sem propósito, Kara resolve se mudar para National City em busca de o que ela chama de ‘vida normal”.
Na nova vida, Kara se torna assistente de Cat Grant (Calista Flockhart), CEO de um império da mídia em National City, a CatCo Worldwide Media. Ao lado de seu melhor amigo, Winn Schott (Jeremy Jordan) e de sua irmã, Kara finalmente se vê numa vida normal. Mas, como manda o figurino, Kara se vê obrigada a usar seus poderes, até então escondidos, para salvar sua irmã de um acidente em um avião, é aí que a história de fato começa. Com National City descobrindo seu novo herói, Kara agora se vê na necessidade de se tornar a Supergirl, a heroína protetora de National City.
As lições da série começam quando a heroína ganha um nome. Cat é a primeira a apoiar e criar o nome “Supergirl”, que, a princípio, foi questionado por Kara, por esta achar que o nome da heroína devia ser “Superwoman”, em posição de igualdade com “Superman”, mas Cat insiste em Supergirl. A problemática é vista nesse momento e torna “Supergirl” uma trama sobre preconceito e aceitação. Ao pedir o nome “Superwoman”, Kara queria simplesmente que a vissem como a heroína que ela é, tão forte quanto o Superman, não apenas como uma versão mulher dele, mas Cat dá à Supergirl o respeito que ela merece, pois ela também entende o preconceito de ser mulher numa alta posição.
Seguindo sua história, um novo personagem chega: James Olsen (Mehcad Brooks). Olsen é amigo do Superman, e chega para “tomar conta de Kara”, mas Kara diz que não precisa de nenhuma babá, mais uma vez provando sua força, não só como heroína, mas também como pessoa. Vale ressaltar a paixão que Kara carrega por James, este namorado de Lucy Lane (Jenna Dewan Tatum), Tenente do exército e irmã mais nova de Louis Lane, além disso, trabalha com seu pai, General Sam Lane (Gleen Morshower), numa divisão que caça extraterrestres, como Kara. Mesmo com essa paixão proibida, Kara segue sua vida, agora assumindo o manto de Supergirl, a heroína protetora de National City. Mas Kara queria mais, queria ser a heroína de todo o mundo.
Então, chegamos ao primeiro episódio que merece destaque: “Fight or Flight”. O episódio retrata Kara sendo posta à prova lutando contra Reactron, um dos maiores inimigos de Superman e ela está decidida a mostrar quem é. Mas ao mesmo tempo Kara enfrenta as suspeitas de Cat e tenta mostrar pra ela que não é uma simples cópia de Kal. Mais uma vez, vemos Kara ser subestimada simplesmente por ser a prima de Kal-El. Um dos grandes pontos fortes da série é mostrar a dificuldade que uma mulher tem de criar uma identidade num alto posto. Diferente de Barry Allen (The Flash), Kara é desacreditada pela maioria das pessoas ao seu redor, mas a Supergirl não se entrega e junto com seus amigos e com a confiança de sua irmã, Kara trabalha duro para mostrar quem é a Supergirl.
Seguindo os episódios, chegamos ao quinto episódio da temporada, o qual Kara começa a mostrar seu valor: “How does she do it?”. Nesse episódio, Kara fica responsável por cuidar do filho de Cat e, como se não bastasse, a Supergirl tem que salvar National City de uma série de explosões. Dessa vez com mais dificuldades, Kara trava uma batalha contra o tempo enquanto tenta descobrir o motivo das explosões, até descobrir as ligações dos crimes com bilionário Maxwell Lord (Peter Facinelli). Lord era um anti-alienígena declarado e, mesmo sem tal intenção, Supergirl faz dele um poderoso inimigo. Agora, Lord acredita que a Supergirl é uma ameaça e estava disposto a comprar briga com Cat para acabar com a fama da Supergirl.
Em “Human for a day”, Kara finalmente entende o que é ser normal. No sétimo episódio da temporada, Supergirl é exposta a kryptonita e Kara perde seus poderes, assim, a jovem se vê incapaz de ser a heroína de National City e uma onde de crimes, além de um terremoto, ameaçam a cidade. É nesse episódio que é mostrado a Kara o que é ser herói. Danvers finalmente entende que ser a Supergirl não é apenas ter mais força que qualquer exército do mundo, mas sim é desejo de ajudar as pessoas que torna a Supergirl humana, mesmo sendo uma refugiada no planeta. Um dos melhores momentos do episódio é quando Supergirl, mesmo debilitada, usa seu lado humano para impedir um assalto. Confesso que o trecho me fez chorar um pouco.
Kara enfrenta seu primeiro grande desafio emocional em “Hostile Takeover”. O oitavo episódio da temporada mostra Kara conversando com sua tia Astra (Laura Benanti), que a questiona sobre as ações tomadas por sua mãe, Alura Zor-El (Laura Benanti), e Kara já não sabe mais em quem confiar. O interessante desse episódio é mostrar que até mesmo os mais fortes têm seus periodos desnorteados. Kara sabia o que tinha acontecido em Krypton, mas o sentimento que tinha por Astra fez ela mesma questionar suas próprias ações. Ao fim do episódio, Astra têm outra conversa com Kara, que mesmo decepcionada, resolve usar o lado nobre e soltar Astra (Astra estava presa e Non (Chris Vance), marido de Astra e tio de Kara, tinha capturado um dos agentes do DEO, Hank Henshaw (David Harewood), (que mais tarde vem a ser revelado como o “Caçador de Marte”) e ofereceu o agente em troca de Astra). Paralelo à isso, Kara tem que descobrir quem está conspirando contra Cat e trava outra batalha contra o tempo para manter sua vida “normal”. Mais uma vez Kara mostra que, apesar de ser a Supergirl, queria a vida normal que tanto desejou e esse vida só podia acontecer ao lado de Cat, na CatCo.
A briga de Supergirl com Max Lord volta aos holofotes no episódio “Bizzaro”. No décimo segundo episódio da temporada, Kara começa a desenvolver sentimentos por Addam, filho - até então desaparecido - mais velho de Cat, e ainda pior: Supergirl se vê lutando contra ela mesma, a não ser pelo jeito mal de “Bizzara”, a Supergirl criada por Lord para matar Kara e mostrar que todos os alienígenas não eram bem vindos na Terra, não importa o quão nobres fossem suas ações.
“A arte imita a vida”. No momento da análise do décimo segundo episódio de “Supergirl”, é notável a ligação da série com a realidade. Hoje, vivemos dias mais conturbados do que nunca. Crises políticas e humanitárias abalam o mundo. O ódio parece guiar as relações entre as pessoas. Refugiados taxados como “nojentos”, países, como “merda”. Mais uma vez, “Supergirl” nos dá um tapa na cara. A série nos mostra que não importa de onde você vem, mas sim o que você é. No caso da série, seu planeta, na vida real, seu país, sua religião, etnia, não importa qual seja, mas sim o que você tem a dizer. Ainda no episódio, mais tarde, Supergirl descobre que Bizarra não tinha nada além de medo, o mesmo medo que fez com que Lord criasse ela e faz com que atos de xenofobia aconteçam todos os dias.
O próximo episódio que merece nossa atenção é “For the girl who has everything”. Nesse episódio, Kara vive um dilema que muitos de nós já nos vivemos. No décimo terceiro episódio da temporada, Non manda um parasita conhecido como “Misericórdia Negra” atacar Kara, então a jovem heroína se vê presa nas suas memórias mais afetivas. Em meio ao coma de Kara, a cidade é atacada por Astra e Non, mas Astra, movida pelo amor que sente por Kara, diz para Alex como salvar a Supergirl. Nesse momento, a história ganha traços que a torna única: Kara não podia ficar muito tempo vivendo na ilusão criada pela Misericórdia Negra, mas o tempo que Alex leva para descobrir como salva-lá foi o suficiente para que Kara esquecesse de sua vida na Terra. Detalhe: somente Kara podia se salvar do parasita ao se convencer de que queria deixar a ilusão. Mas vamos pensar um pouco: Quando criança, Kara perdeu tudo, inclusive seu planeta natal; ao chegar na Terra, viu seu pai adotivo ir embora; durante toda a vida, não conseguia se sentir normal e então, de repente, Kara está de volta à Krypton, em paz e com todos que ama. É uma utopia que poucos de nós negariam viver. Um mundo perfeito, como aqueles que criamos antes de dormir. A singularidade desse episódio (particularmente, o meu episódio favorito), é nos colocar como Kara Danvers. É nos fazer enxergar que temos arrependimentos e mágoas, mostrar que temos um plano de mundo perfeito, onde tudo daria certo, mas a vida não é assim. Não podemos ser felizes a todo momento, a magoa, angústia e a tristeza nos ajudam a nos tornar quem somos e não se pode simplesmente fugir disso. Ao fim do episódio, Kara enxerga isso e volta para a Terra com sede de vingança sobre Non, o qual Kara julga ser o culpado por tirar tudo dela mais uma vez. E nós? O quão diferentes somos? Sempre culpamos alguém por uma dor que não conseguimos nos livrar e nunca tentamos trabalhar com nós mesmos para seguir em frente. Esse episódio é mais um ponto para “Supergirl”. E que ponto…
O próximo episódio da lista é “Falling”. O décimo sexto episódio da temporada, retrata Kara sendo atingida pela kryptonita vermelha, criada por Lord para fortalecer “Bizarra”, mas que obteve outro efeito em Kara. A Supergirl se viu pela primeira vez com o mal no coração e mudou completamente seu comportamento. Até mesmo a doce Kara se torna outra pessoa na CatCo. Pela primeira vez, Kara somente pensa no quão poderosa é. Isso fica claro quando a Supergirl diz o quão forte ela era em relação à Cat: “Poder de verdade, Cat, é decidir quem vive e quem morre.”. Tomada pelo medo, Cat espalha uma mensagem à toda cidade sobre a “nova” Supergirl. E, também com medo, toda National City perde a confiança na Supergirl, mas estaria Kara completamente errada? Vamos analisar novamente: Quando criança, Kara perdeu tudo, inclusive seu planeta natal; ao chegar na Terra, viu seu pai adotivo ir embora; durante toda a vida, não conseguia se sentir normal e ao “conseguir tudo de volta”, Kara descobre que tinha sido vítima de um parasita. Qualquer pessoa tinha potencial para surtar, mas o ponto alto do episódio mais uma vez é o espectador. Desta vez, a série mostra o quão ruim pode ser perdermos o controle em níveis extremos e como isso pode refletir em nossas vidas depois que aquilo passar. Kara, perdeu toda a confiança que a cidade depositava nela e quase perdeu sua irmã ao lutar contra ela. E nós? O que nós, os normais, podemos perder? Mais um ponto para “Supergirl”.
Prometo que tá quase acabando e se você leu até aqui, fica até o final vai??? Bom, nosso quase fim fica sob responsabilidade do penúltimo episódio da série, “Myriad”. No décimo nono episódio da temporada, o agora General Non decide colocar seu plano em ação e, sob pretexto de impedir um desastre ecológico causado pelos humanos, Non usa a tecnologia Myriad nos humanos, tal tecnologia faz todos pensarem como o que está controlando Myriad e, também faz com que todos deixem suas diferenças de lado em nome de um suposto “bem maior”. Mas, num mundo onde ninguém pensa por si mesmo, isso seria salvação ou obediência? Agora, Kara se vê no maior desafio de sua vida, mas ela não está sozinha: Lord e Cat estão dispostos a ajudar a Supergirl, e eles não foram os únicos a salvo: Hank Hanshaw (o Caçador de Marte) e Alex se tornaram foragidos da justiça e foram embora de National City, mas assim que sabem sobre os problemas enfrentados pela cidade, voltam para ajudar Kara. Mais uma vez provando sua nobreza, Kara toma uma importante decisão: Lord tem um plano de explodir uma bomba em Myriad para anular seu efeito, mas isso custaria caro: 8% da população de National City e a vida de Kara. Mas ela, sem opções e ainda precisando da confiança da cidade de volta, resolve seguir o plano de Lord, mas segue pensando em outra alternativa. Mais uma prova do heroísmo de Kara. Diferente de Barry Allen, Kara Danvers não irá salvar apenas os que ama, mas sim à todos, como se todos fossem parte dela. Egoísmo não é com Kara Danvers. Mas, a sempre astuta Kara, pensa em outro jeito de salvar as pessoas: esperança. O plano era levar a esperança de volta à National City anulando o efeito de Myriad. Cat, fundamental no plano, deu a chance de Supergirl falar com toda a cidade. Mas como a agora temida Supergirl iria devolver a esperança para todos? Mas ora, não são dos momentos de maior escuridão que tiramos forças de onde nem imaginávamos que existia?
No último episódio da temporada, “Better angels”, Kara finalmente consegue devolver a esperança para o povo de National City. Com um discurso sobre suas perdas ao longo da vida, sobre o lado bom da Terra que Kara Zor-El tinha descoberto, sobre a esperança de lutar por tudo que acreditavam e por todos os que amam, Kara consegue desativar Myriad e devolver a esperança das pessoas, mas Non são se dá por vencido e resolve matar a todos usando Myriad. Agora, Kara se vê sem alternativa, a não ser lutar com Non, seu tio, para impedir que ele complete sua missão e a batalha vai até as últimas consequências. Ainda assim, Kara precisava impedir que toda a raça humana morresse. Seu heroísmo é provado de uma vez por todas e Kara decide tirar Myriad da Terra, o único problema é que poderia ser uma missão sem retorno. Mas bravamente Kara faz o que acredita ser o certo para o bem de todos, e da a sua vida por todos: os que a temiam, que a contestaram, que a apoiavam. No melhor estilo “Sem sacrifício, não há vitória”, Kara prova seu valor e deixa seu legado para todos. Ao final do episódio, Alex usa a nave que Kara chegou à Terra para salvá-la e mais uma vez tudo acaba bem. A história de Kara Zor-El, a Supergirl. A maior heroína da Terra.
Mesmo com alguns erros pontuais, como os efeitos especiais e alguns ganchos na história, “Supergirl” se mostrou uma série firme com uma crítica bem construída, que é um verdadeiro tapa na cara da sociedade. Kara se mostrou mais humana que outro grande personagem das séries da DC: Barry Allen. Ao contrário deste, Kara preza por todos e não apenas por aqueles que ama. Mais forte que Barry, Kara faz de suas perdas seu solo e se mantém firme evitando fazer as coisas sem pensar e sempre com o coração puro e cheio de esperança. Diferente de Allen, Danvers tenta carregar com a maior naturalidade sua vida “normal”, mesmo não pertencendo a Terra. Talvez é certo que ela seja taxada como a mais humana dos heróis.
Kara Danvers: a mulher que passou por cima de todo preconceito e desconfiança para mostrar seu valor, salvar o mundo e nos mostrar que não importa o quanto a sociedade imponha padrões ou questione à nós, nós somos responsáveis por construir nosso legado.
Tá esperando o que? Corre pra conferir a primeira temporada de Supergirl!!!
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