O mártir Turing
Os conflitos da Segunda Guerra Mundial têm rendido cada vez mais material para as produtoras em geral. Desde conflitos armados até as histórias dos bastidores da guerra, o tema é um prato cheio que encanta à todos os tipos de público. Uma das histórias mais bem aclamadas nas telonas que fez uso dos acontecimentos do pior conflito armado da história da humanidade, é a história de Alan Turing, contada em “O jogo da imitação”.
Apresentando um clima dramático e melancólico do início ao fim do filme, “O jogo da imitação” conta a história da criação do primeiro computador do mundo! Junto à sua equipe, Alan Turing (Benedict Cumberbatch), que era um matemático inglês, corre contra o tempo para decifrar mensagens codificadas por uma máquina chamada “Enigma”, que estava em poder dos alemães. Mas o filme é bem mais que apenas isso.
Logo na primeira cena do filme, Turing é apresentado como narrador da própria história e diz para o espectador ficar atento e prestar muita atenção a todos os acontecimentos, pois no menor desvio de atenção, todo o rumo do filme seria perdido e Alan diz que não iria repetir nada. A inovação apresenta um forte ponto positivo para o filme, que ao conversar com o espectador antes de tudo, lembra que ele é o principal ator da sétima arte, pois, afinal de contas, o filme é feito pra ele.
Outro toque peculiar do filme é o tempo em que ele é ambientado, isso pelo fato de não se tratar de uma linha do tempo reta, mas sim de períodos alternados entre 1928 e 1952. O filme começa em 1952, quando a casa de Alan é palco de um suposto assalto, mas o curioso é que nada foi roubado da casa dele, e isso desperta a curiosidade do detetive Nock (Rory Kinnear), que desconfia que havia algo errado com Turing. Avançando, o filme volta no tempo e é ambientado, em sua maior parte, entre 1939 e 1943, período que todo o trabalho da equipe de Turing é desenvolvido. Após ser contratado pelo Comandante Dennison (Charles Dance), Turing se junta à Hugh Alexander (Matthew Goode), John Cairncross (Allen Lech) e Peter Hilton (Matthew Beard), os melhores criptógrafos da Inglaterra, para decifrar as misteriosas mensagens enviadas pelos nazistas e mudar o rumo da guerra. Um pouco mais a frente, o filme volta ainda mais no tempo, e vai até 1928 para mostrar a infância de Turing (quando criança, interpretado por Alex Lawther).
Durante a primeira aparição do jovem Alan, uma frase me chamou a atenção, ele diz que a violência só é atrativa porque dá prazer as pessoas e quando esse prazer é tirado, a violência "perde a graça" - a qual nem deveria existir. Irônico é ver o quão prazerosa ela pode ser, se analisarmos o que aconteceu na Alemanha durante a Segunda Guerra e hoje, 73 anos depois, tais atos de extrema violência serem defendidos e difundidos por todo o mundo. Isso prova o quanto falhamos. Ainda em 1928, Turing começa a descobrir sua sexualidade ao conhecer Christopher Morcom (Jack Bannon), jovem pelo qual Turing começa a alimentar uma paixão. À época, um amor proibido, e tido como indecente pelo próprio governo britânico, e em consequência disso, o jovem introvertido Alex Turing, nunca disse nem a Christopher nem a ninguém sua orientação sexual. O quão diferente isso é dos dias atuais?
Seguindo adiante, o filme começa a mostrar a genialidade de Turing, mas ele tem um problema: sua dificuldade de interagir com as pessoas. Alan não era muito sociável e, no início, isso dificultou muito seu trabalho, a ponto de que Dennison quisesse eliminá-lo do programa arrumando qualquer desculpa para demiti-lo. Mas, contra essa decisão, Turing vai até Churchill, Primeiro Ministro do Reino Unido durante a guerra, e acaba por se tornar líder de seu grupo, dando a palavra final no trabalho. E graças a atitude de Turing, seu projeto avançou ainda mais, mas ainda não era o suficiente para trazer a vitória aos Aliados.
De volta à 1928, durante uma conversa com Christopher, que lia um livro sobre criptografia, Turing entona outra frase que faz o espectador refletir sobre as relações interpessoais. Ao questionar sobre o que se tratava a tal da criptografia, Turing chega a conclusão que até mesmo as conversas entre as pessoas são um tipo de criptografia, a qual uma pessoa diz uma coisa querendo dizer outra. E que atire a primeira pedra quem nunca fez isso, direta ou indiretamente.
“Quando as pessoas conversam nunca dizem o que pensam, sempre dizem outra coisa e esperam que entendam o que dizem.”
Alan Turing
Muito além do que se imaginava, Turing começa a recrutar novas pessoas para seu projeto e uma dessas pessoas é a jovem Joan Clarke (Keira Knightley). Em mais uma quebra de padrões da época e um desafio aos seus superiores, Turing traz Joan para trabalhar no que poderia ser a vitória dos Aliados na guerra, e mesmo quando a jovem é questionada por ser mulher, Alan sai em sua defesa e mostra seu valor mais uma vez.
“Às vezes a pessoa que ninguém espera é aquela que faz coisas que ninguém consegue imaginar.”
Alan Turing
Mas nem tudo são flores, e em 1940 os nazistas já dominavam a maior parte da Europa, enquanto Turing não avançava, mas isso começava a mudar. Turing trabalhava duro e, com afinco, começa a dar vida a seu projeto. Finalmente, a máquina dele saia do papel e se tornava real. A ideia era construir um “cérebro elétrico” que seria capaz de decodificar as mensagens alemãs e dar informações ao Comando Aliado. Depois de muito trabalho, junto à toda a equipe, confusões com o governo e com um inimigo externo, Turing finalmente descobre o que devia fazer para atingir o sucesso com sua máquina. Vale lembrar que, desde o início do seu trabalho em 1939, quatro anos havia se passado e já era 1943.
Mas o tempo sempre foi outro inimigo de Turing. O matemático tinha que conviver diariamente com seus próprios demônios, que iam desde a dificuldade de interagir com as pessoas até manter escondida sua orientação sexual. A vida nunca foi fácil para Turing, que desde de pequeno lutou para conseguir influenciar seu tempo e foi além. Contra tudo e todos, Alan Turing revolucionou para sempre a história da comunicação.
Ao fim, o filme retorna ao seu ponto inicial: 1952. Turing conta a história de como foram seus dois anos brincando de Deus e, muito além disso, mostrando e deixando claro a participação de toda a equipe para garantir o fim da guerra e, mais além ainda, para o avanço de toda a humanidade.
Ao fim da vida, Turing enfrentava um ultimo demônio: a solidão. Sem amigos, nem família, Alan só tinha sua maquina, mantida em segredo sob ordens do governo. "Chistopher", nome da maquina de Turing, era considerado pelo próprio Alan seu único amigo. Com "Christopher", Turing não estava sozinho, mas em companhia de um ser. Impossível não compararmos isso com a atualidade: nos dias de hoje, nossos celulares e computadores e nós somos inseparáveis, é óbvio que Turing tinha outros motivos para ter se isolado de tal forma, mas e nós? Quais são os nossos motivos?
O fim do filme também nos mostra o fim precoce da história de Alan. Vitima da intolerância de seu próprio governo, Alan foi sentenciado à "cura gay", na época, um tratamento hormonal para que Turing se tornasse heterossexual. Mais uma vez a atualidade se mostra presente no filme, mas agora essa realidade é vista no nosso Brasil. O caso a que me refiro, é um caso o qual um juiz brasileiro deu aval para psicólogos realizarem a cura gay. Num mundo cada vez mais intolerante, se torna iminente que mais pessoas morram como Alan, mesmo que provem seu valor, independente de sua sexualidade, por simples intolerância, que cada vez mais assusta e ameaça a vida em sociedade.
"Todo dia decidíamos quem vivia e quem morria."
Alan Turing
O fim do filme também nos mostra o fim precoce da história de Alan. Vitima da intolerância de seu próprio governo, Alan foi sentenciado à "cura gay", na época, um tratamento hormonal para que Turing se tornasse heterossexual. Mais uma vez a atualidade se mostra presente no filme, mas agora essa realidade é vista no nosso Brasil. O caso a que me refiro, é um caso o qual um juiz brasileiro deu aval para psicólogos realizarem a cura gay. Num mundo cada vez mais intolerante, se torna iminente que mais pessoas morram como Alan, mesmo que provem seu valor, independente de sua sexualidade, por simples intolerância, que cada vez mais assusta e ameaça a vida em sociedade.
Alan, antes de tudo, foi o grande pai do que hoje conhecemos por
“computador”, que faz tão fácil nossa vida e nos poupa o tempo, além de garantir entretenimento e diversão. Quem de nós imagina uma vida sem um computador, por sua vez, o grande precursor da tecnologia que temos atualmente? Quem de nós imagina hoje viver sem um celular ou um notebook? É, devemos tudo isso à um homem praticamente assassinado pela intolerância, que persiste até hoje.
Com uma das melhores fotografias da atualidade e trazendo diálogos que inspiram o espectador a pensar, “O jogo da imitação” traz uma história com reviravoltas, paixão e questionamentos em suas quase duas horas que prometem serem muito bem gastas.
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