American Way of Cars
OLÁÁÁ PESSOAL!!!! Olha, eu sei que dessa vez demorou um pouco mais, mas as aulas voltaram, provas, trabalhos, eventos, vocês entendem HAHAHAHA. Hoje a gente vai falar sobre o meu filme favorito mais uma vez, mas com um quê mais histórico do que o habitual. Hoje vamos falar sobre como Carros conta uma história da construção do nacionalismo americano. Sei que pode parecer estranho, mas o meu objetivo é promover uma reflexão sobre como essa animação se liga à história dos EUA e ajuda a construir uma certa imagem de EUA. Primeiro, vamos contextualizar o filme, seus elementos e personagens, e num segundo momento, vamos mostrar alguns conceitos e realizar o link dessa amada animação com a construção do nacionalismo americano.
Poster de divulgação
Carros é uma animação da Disney Pixar lançado em 2006. Com a direção de John Lassete (Toy Story, 1995, Vida de Inseto, 1998, e Carros 3, 2018) e Joe Ranft (A Bela e a Fera, 1991, e Rei Leão, 1994), o filme conta a história de Relâmpago McQueen, um egocêntrico corredor que, depois de um incidente, acaba parando numa cidadezinha chamada de Radiator Springs e lá se reinventa.
Vamos agora, elencar alguns personagens e cenários chave do filme: McQueen, o corredor; Sally, promotora de Radiator Springs; Doc, mecânico e juiz da cidade; Fillmore, a kombi hippie; Sargento, um ex-militar americano; a própria Radiator Springs, cidade que é cenário para a maior parte do filme; e a Rota 66, que cruza a cidade. Vamos começar a problematizar pelos cenários e depois vamos aos personagens.
Vamos começar pela Rota 66, uma das mais famosa dos Estados Unidos. Construída em 1926, a Rota 66 cruza quase que todo o país, saindo de Illinois e chegando até a Califórnia. A Rota foi aposentada, por um tempo, em função da criação de interestaduais que diminuíram o tempo de viagem dos turistas, a mesma história que é contada em Carros, onde Radiator Springs perdeu muito de sua renda com a chegada das interestaduais, e a cidade viva que recebia e atendia os turistas em tempos passados, no início do filme conta com apenas 10 habitantes.
Imagem de divulgação
Agora vamos tratar um pouco dos personagens. O primeiro a ser tratado aqui será McQueen. O jovem corredor tinha um incrível complexo de superioridade, a ponto de se autodeclarar vencedor da Copa Pistão (competição retratada no filme). McQueen representa os novos tempos, a própria interestadual se torna persona em McQueen. O personagem faz o papel das gerações que nasceram com as interestaduais e que nem sequer conheciam esse “antigo” American Way of Life. O próximo personagem que trataremos é Sally, a promotora da cidade.
Contextualizando Sally, ela aparece pela primeira vez no julgamento de McQueen, que destruiu parte da Rota 66 e agora aguarda sua sentença. Na sua primeira fala no filme, Sally diz que McQueen deve consertar a estrada, pois é nela que os viajantes passam e que eles não passariam por uma estrada destruída. Nas palavras dela, McQueen deve consertar a estrada porque “nossa cidade (Radiator Springs) vale a pena”. Sally já se mostra uma personagem disposta a lutar para recolocar Radiator Springs na nova realidade americana, mostrando que o velho e o novo podem conviver junto.
Agora é hora de Fillmore e do Sargento. Ambos representam o auge da Rota 66: os anos 60. Enquanto a kombi faz o papel dos hippie, que lutaram pelos direitos civis e na contracultura também na década de 60, Sargento representa a força militar usada pelos EUA em nas manifestações. Ambos representam o clima político daquela época, não surpreende, então, que Fillmore chame McQueen de fascista e o Sargento o chame de comunista, afinal, temos que lembrar também que na década de 60, a Guerra Fria estava no auge.
Outro personagem que merece destaque é Hudson Hornet, o Doc Hudson. Doc é o juiz da cidade, mas além disso, ele representa a velha guarda das corridas (enquanto McQueen representa o novo mundo delas). Na verdade, Doc representa muito mais que isso. O veterano representa a era de ouro da própria Rota 66.
Imagem de divulgação
Basta analisarmos alguns anos históricos, um no mundo real e outro no filme. Este, é o ano de 1954, no qual Doc, então o mais promissor corredor de sua geração, sofre um severo acidente e não volta mais a correr, e aquele o ano de 1956, em que o então presidente dos EUA, Dwight D. Eisenhower, começa o Sistema Interestadual de Autoestradas, que tinha o objetivo, segundo o Departamento de Trânsito dos EUA, ligar o todo o país, com uma atenção especial aos estados do Nordeste, Meio-Atlântico e Meio-Oeste e o crescimento populacional no Cinturão do Sol (todo o sul, sudeste e sudoeste dos EUA).
Na verdade, Doc representa o clássico American Way of Life, que no filme, como disse Sally, fazia com que os carros viajassem para aproveitar o tempo e não para economizá-lo. A trilha sonora se mostra forte agora com Our town, de James Taylor. A música retrata a história de uma cidade que já teve seus dias de glória, mas que agora não é mais nada. Coincidência, não é?
A essa altura, você deve estar se perguntando: mas e a ligação com o nacionalismo americano? Para responder essa pergunta, vou usar a obra de Françoise Choay, A alegoria do patrimônio (São Paulo: Ed. Estação Liberdade, 2006, cap. VI, p. 205-237), mas especificamente o capítulo 6 do livro, chamado “O Patrimônio Histórico na Era da Indústria Cultural”. Na página 224, a autora evoca a criação de cenários para o consumo cultural, como ruas, alamedas, praças, etc. Esses cenários criam uma ideia de que a cidade busca e atrai visitantes. Aqui é válido ressaltar que, nos anos 60, cidades que ficavam na Rota 66 tentavam trazer visitantes, evocando o espírito de liberdade que era cruzar todo o país em busca do sol da Califórnia.
Todos esses elementos estão presentes em Radiator Springs e ficam claros em dois momentos de Carros: quando Sally conta a McQueen a história de Radiator Springs e quando McQueen trabalha para restaurar a cidade. O prêmio é a nova era da pequena cidade, ao som de Sh-Boom, do The Chords, que diz que “life could be dream”, enquanto Sally ressalta a singularidade daquela cena.
Netflix
É nesse momento que Carros mostra sua identidade política e une o antigo American Way of Life ao novo modo de vida americano, que une a Rota 66 às inovações das Interestaduais e constrói uma ideia de que os antigos e novos, nos EUA, se unem para fortalecer, para reacender a chama que foi, por um momento apagada. Nas palavras de Sally, “é melhor que nos velhos tempos”. É quase como uma ideia reacionária de reaver os velhos tempos, mas aqui esse velho é unido ao novo.
Ainda podemos inserir a discussão do pós-Guerra Fria, onde as gerações que viveram a guerra, a Rota 66 e a construção do American Way of Life encontram as novas gerações, que vivem as interestaduais, que vivem o economizando o tempo e acabam dizendo que ele está curto e que não podem fazer determinada atividade por falta de tempo. De fato, Carros mostra que uma animação pode ser bem mais que uma simples animação, ao ajudar na construção do novo nacionalismo, o novo American Way of Life.
É engraçado notar também como um filme pode servir de propaganda política e comercial. Ao fim do filme, é tocada Route 66, de Chuck Berry, uma música que denota e canta toda a relevância da Rota 66. Bem mais que um filme, Carros se trata de um colaborador, por assim dizer, do consumo cultural, citado por Choay, além de fazer o papel de propaganda para a construção de um novo nacionalismo nos EUA, que evoca a união do novo com “as glórias do passado.”
Netflix
De fato, Carros é bem mais que um filme e, para o bem ou para o mal, justifica seus 46 milhões de dólares de bilheteria. Com cerca de uma hora e meia, o filme é a pedida ideal para quem quer entender um pouco da história dos EUA de um jeito divertido e é uma ótima pedida para os amantes da Rota 66, de carros e para a diversão de toda a família. Corre (com o perdão do trocadilho) pra assistir, o filme está disponível na Netflix prontinho pra bandeirada inicial!!!
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